Presos provisórios votam em 2024, mas Câmara aprova lei que tira direito de voto para futuros pleitos

Presos provisórios votam em 2024, mas Câmara aprova lei que tira direito de voto para futuros pleitos nov, 20 2025

Enquanto 1.151 presos provisórios e jovens internos em São Paulo exerciam seu direito de voto no segundo turno das Eleições 2024, em seções montadas dentro de presídios e unidades de internação, a Câmara dos Deputados aprovava uma lei que, a partir de agora, pode tirar esse mesmo direito de milhares de outros brasileiros nos próximos pleitos. A contradição é gritante: um sistema que garante o voto a quem ainda não foi condenado, enquanto políticos discutem retirar esse direito por pura lógica de punição — mesmo antes da justiça decidir.

Como o voto funcionou nos presídios de São Paulo

No dia 27 de outubro de 2024, 26 seções eleitorais especiais foram instaladas em sete municípios — Diadema, Franca, Guarulhos, Ribeirão Preto, São Bernardo do Campo, São Paulo e Taubaté — para atender aos eleitores que ainda aguardam julgamento. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) fez isso seguindo a Resolução TSE 23.736/2024, que reforça o direito constitucional previsto no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal. A regra é simples: só perde o direito de votar quem foi condenado em sentença transitada em julgado. Presos provisórios? Ainda são inocentes. E, por isso, podem votar.

Em todo o país, cerca de 6.000 presos provisórios estavam aptos a votar nas eleições municipais de 2024, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). São Paulo liderava com 2.562 eleitores nessa condição, seguido por Espírito Santo (857), Bahia (612) e Rio Grande do Sul (591). A logística não é simples: urnas, fiscais, segurança e transporte de documentos são organizados com meses de antecedência. Desde 2010, o TSE mantém esse sistema — uma das poucas políticas públicas no Brasil que realmente tenta manter a cidadania viva mesmo dentro das grades.

A emenda que pode mudar tudo

Mas em 18 de novembro de 2025, tudo mudou. A Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, uma emenda ao Projeto de Lei Antifacção (PL 5582/2025), proposta pelo deputado Marcel van Hattem (Novo-RS). A emenda proíbe o alistamento eleitoral de pessoas em prisão provisória e cancela os títulos de quem já está inscrito. O argumento? Que a privação da liberdade e o exercício do voto são incompatíveis. "Não é antecipação de pena. É reconhecimento de um limite fático e moral da cidadania", disse Van Hattem em plenário.

A oposição, por sua vez, apoiou a medida como forma de "reduzir custos e riscos desnecessários". Mas o que parece lógico para alguns é um choque para o direito constitucional. O voto não é um privilégio. É um direito. E a presunção de inocência não é uma formalidade — é o alicerce da justiça brasileira. Tirar o direito de votar de alguém que ainda não foi julgado é como negar o direito à defesa antes da audiência.

O impacto real — e o simbólico

Estatisticamente, o impacto desses votos é quase nulo. Em 2022, cerca de 11.363 presos provisórios compareceram às urnas. Mesmo que todos tivessem votado em um único candidato, não alterariam o resultado: Lula venceu Bolsonaro por 1,8 milhão de votos. Os 6.000 votos de 2024 representam menos de 0,007% do eleitorado nacional. Então, por que essa emenda foi aprovada com tanta pressa?

A resposta está no discurso. A medida não é sobre eleição. É sobre controle. É sobre enviar uma mensagem: quem está preso, mesmo sem condenação, não merece ser considerado plenamente cidadão. É um gesto político, alinhado com o discurso de endurecimento penal que ganha força em vários países. E, como sempre, é o mais vulnerável quem paga o preço.

Os riscos jurídicos que ninguém quer falar

Os riscos jurídicos que ninguém quer falar

Espera-se que a emenda seja analisada pelo Senado Federal nos próximos meses. Mas especialistas já alertam: ela pode ser derrubada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição é clara: só perde direitos políticos quem foi condenado com sentença final. A prisão provisória é uma medida cautelar, não uma punição. Tirar o voto nesse estágio é, na prática, aplicar uma pena sem julgamento — o que viola o princípio da legalidade e da presunção de inocência.

Na prática, isso pode gerar uma avalanche de ações judiciais. Se a emenda virar lei, os presos provisórios que tiverem seus títulos cancelados poderão recorrer à Justiça Eleitoral. E o TSE, que já garantiu esse direito por 14 anos, provavelmente irá contestar. O risco? Um conflito institucional sem precedentes entre o Legislativo e o Judiciário.

Um direito que não se nega por conveniência

Na verdade, o voto dos presos provisórios não é um privilégio. É um teste. Um teste para o que o Brasil realmente acredita: que a justiça deve ser imparcial, mesmo quando o réu está atrás das grades. Que a democracia não se esvazia quando o eleitor é marginalizado. Que a cidadania não é um prêmio para os que se comportam bem, mas um direito inalienável — mesmo para os que erraram.

Quem vota em um presídio não está pedindo favores. Está dizendo: "Eu ainda sou parte deste país". E se o Congresso aprovar essa emenda, não será a democracia que se fortalece. Será o medo.

Frequently Asked Questions

Por que presos provisórios ainda podem votar se estão presos?

Porque a Constituição brasileira só suspende direitos políticos após condenação definitiva — ou seja, quando não resta mais recurso. A prisão provisória é uma medida cautelar, não uma punição. Quem está preso sem julgamento ainda é considerado inocente pela lei, e por isso mantém todos os direitos civis, incluindo o voto. Isso é essencial para garantir o princípio da presunção de inocência.

Quantos presos provisórios votaram nas eleições de 2024?

Cerca de 6.000 presos provisórios votaram em todo o Brasil nas eleições municipais de 2024, segundo o TSE. Em São Paulo, foram 2.562 eleitores, o maior número do país. No segundo turno presidencial de 2022, cerca de 11.363 compareceram às urnas. Apesar do número, esse grupo representa menos de 0,007% do eleitorado total — impacto mínimo, mas simbólico.

Essa nova lei pode ser derrubada pela Justiça?

Sim. Especialistas em direito eleitoral afirmam que a emenda ao PL Antifacção entra em conflito direto com a Constituição, que garante o voto até a condenação final. O Supremo Tribunal Federal já protegeu esse direito em decisões anteriores. Se a lei for aprovada no Senado, é quase certo que haverá ações no STF — e a tendência é que ela seja suspensa ou invalidada por violar direitos fundamentais.

Quais estados têm mais presos provisórios aptos a votar?

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, os estados com maior número de presos provisórios são: São Paulo (2.562), Espírito Santo (857), Bahia (612), Rio Grande do Sul (591), Maranhão (574) e Santa Catarina (249). Esses números refletem não apenas a população carcerária, mas também a eficiência dos tribunais regionais em registrar e organizar o voto nesses locais.

O voto de presos provisórios influenciou resultados eleitorais?

Nenhuma análise estatística sugere que os votos de presos provisórios alteraram qualquer resultado eleitoral. Na eleição presidencial de 2022, a diferença entre Lula e Bolsonaro foi de 1,8 milhão de votos. Mesmo se todos os 11 mil votos dos presos provisórios tivessem ido para um único candidato, não mudariam o resultado. O debate não é sobre números — é sobre princípios.

O que acontece agora com a emenda?

A emenda aprovada na Câmara segue agora para análise no Senado Federal, onde poderá ser alterada, aprovada ou rejeitada. Se for aprovada, entrará em vigor após sanção presidencial. Mas mesmo assim, o TSE e organizações de direitos humanos já anunciaram que recorrerão ao Supremo Tribunal Federal, argumentando que a medida é inconstitucional. O processo pode levar meses — e o voto dos presos provisórios pode permanecer garantido por enquanto.